11.9.08

Sexto sentido

Duas meninas conversavam. Duas meninas muito diferentes conversavam.

Elas estavam numa festa cinza, com muita cerveja, com muita gente que ansiava por preencher a sexta à noite. Com muita gente que sabia que a sexta-feira não se podia ficar em casa, não era permitido não beber. Viviam uma imaginária e consolidada imagem de sexta feira, de sexo e drogas, claro, música também.

Voltando as meninas, não sei se as descrevo pelo que elas pensam ou pelo que vestem, porque na verdade penso que elas vestem o que pensam e pensam o que vestem, entende? Posso dizer que entendiam a liberdade de maneiras distintas. Se para a morena alta e espaçosa liberdade tinha a ver com estar distante de onde sua própria vida estava agora, pra outra de salto e coque no cabelo, muito bem maquiada, tinha a ver com um processo interior de não precisar das coisas.

Eram iguais em suas angústias. Eram boas em admitir quão distantes estavam dessa embaçada liberdade. Eram mas não descobriram isso ainda, nem sei se vão descobrir um dia. Porque insistem em se deter em assuntos superficiais do clima, da universidade, dos políticos e da TV, coisas que se falam em festas com desconhecidos.

Assemelhavam-se também pela sensação que sentiam quando engoliam um gole de cerveja gelada, o primeiro da noite. Primeiro o sabor amargo na língua, depois se espalha por toda a boca, depois quando você engole lentamente o gelo vai passando pelo esôfago até chegar ao estômago e espalha, como se nunca nenhuma comida houvesse passado por ali. Para então sorrirem. Os outros goles eram automáticos, se dariam porque o copo estava ali em frente.

Deram-se. Os copos enchiam-se porque se esvaziavam, num ciclo que parecia sustentar-se na física natural.

Um dos meninos que estava por ali tinha intimidade com a morena alta e começou dar-lhe noticias de conhecidos que eles tinham em comum, assim que os assuntos de clima, universidade, políticos e tevê se esgotaram. Contou-lhe que um amigo estava noivo, complementou falando que tinha medo da futura esposa dele. A morena alta lhe tomou a fala, levantou, e recebeu todas as atenções que vagavam dispersas pelo lugar. Disse em bom tom: Mulher boazinha assim que nem eu, não segura homem nenhum. Riram-se.

As duas riram. As outras pessoas também riram. Todo mundo pensou em alguém. As duas riram-se e pensaram, sem saber, no mesmo homem. Também se odiaram um pouquinho, porque as mulheres sentem, pelo menos um pouco, quando não sabem.

5 comentários:

Anônimo disse...

que lindo post. Muito bem escrito, em todos os detalhes. me transportei pra essa noite, mas nem sou tão morena e nem tão alta. quem será?

:***

Mariana do Vale disse...

Mais uma sexta-feira à noite. Sabores de cerveja gelada. Fofocas amenas...
E esse sexto sentido que não concorda com a razão?
E García e Weber nos mandando "às escritas"??? Muito bem pontuado [mais uma vez].
:*

Lili disse...

=)
bacana, laroca

ed disse...

"riram-se": ha, foi aqui!

Anônimo disse...

no fim, estamos todos nos disfarçando, tentando esconder o que há de mais angustiante por dentro. Nos maquiamos por fora da maneira que nos convém. E isso é mais que necessário.